terça-feira, 26 de maio de 2009

ensino à distância...Em favor da formação inicial presencial em todos os níveis


Todos nós sabemos que vivemos num mundo de múltiplas transformações e de recursos técnicos e tecnológicos crescentes. Acreditamos que há critérios para sua utilização, em especial quando se trata de atividades que podem afetar direta ou indiretamente a vida humana. Toda atividade humana vital – aquelas que se desenvolvem por meio da relação direta entre seres humanos e se baseiam no contato, na observação, no toque, no diálogo, no convívio, isto é, aquelas realizadas por enfermeiros, médicos, dentistas e, sobretudo, professores, entre tantas outras – exige determinada formação qualificada e deve ter como pressuposto formativo tanto as informações essenciais para o seu exercício profissional, como o desenvolvimento de capacidades relacionais que permitam aprimorar leituras de registros e expressões da linguagem corporal-afetiva. As informações, como expressões meramente comunicativas, podem ser armazenadas e disponibilizadas em livros, computadores, televisores, vídeos, CDs, DVDs; contudo, a dimensão formativa relacional só pode ser realizada de forma presencial.
Não há como tratar o dente cariado de uma pessoa sem tocá-la. Também, não há como perceber quando um estudante não está entendendo algum assunto em aula, sem que se note em seu rosto (ou corpo) expressão angustiada ou alheia. É fundamental perceber a expressão de alívio ou felicidade de um paciente quando constata que houve progresso e que um tratamento adequado sanou um problema; ou os olhos brilhantes de um estudante, quando entende e participa em uma aula, demonstração inequívoca de alegria e satisfação. Por tudo isso, não se trata de sermos contra as potencialidades e as facilidades que novos processos, equipamentos e ferramentas dos tempos modernos nos colocam a todo o momento, e sim de afirmarmos que a formação inicial deve ser presencial para todos aqueles que realizam atividade humana vital.
Pense bem...
l Você escolheria um médico ou dentista cujo diploma revelasse que sua formação inicial se deu à distância?
l E um(a) professor(a) que também ostentasse formação inicial à distância? Você teria – de fato – a confiança de entregar a esses(as) profissionais o controle sobre a ação escolar de seu filho?
l Você gostaria de ter feito um curso de formação inicial à distância?
Novas alegações, velhos interesses...
Nos dias atuais, alguns defensores do Ensino à Distância (EàD) têm agido de forma contundente, tanto em nível nacional (exemplo: criação da Universidade Aberta do Brasil – UAB), como no âmbito de diversos estados, em especial no de São Paulo (exemplo: criação do Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo – Univesp), apresentando novas alegações em seu favor, mas preservando velhos interesses, nem sempre claramente expressos.
Em favor do Ensino à Distância alega-se: que não há recursos para a educação superior presencial e, portanto, é preciso implantar o EàD; que as pessoas não têm acesso à educação presencial, por isso é necessário implantar o EàD; que não há limitações de cunho educacional do EàD (na forma de laboratórios e de bibliotecas); que outras limitações do EàD (como a convivência em ambiente universitário) são prescindíveis; que não há um único ambiente adequado aos estudos (desconsiderando que em casa é mais difícil, pois a moradia não é bom local de estudo, devido a múltiplas atividades e interações); que o EàD pode substituir o ensino presencial (desconhecendo que em outros países isso não ocorre e nem é recomendável); que recursos tecnológicos devem ser amplamente utilizados (desconsiderando que diferentes meios físicos – CDs, DVDs, vídeos, filmes, produções digitais, “slides” – hoje são/deveriam ser utilizados no ensino presencial como recursos pedagógicos auxiliares); que o Brasil não tem capacidade de expandir o ensino presencial (devido aos interesses corporativos) e que a “verdadeira” intenção é a de “incluir os excluídos”.
No entanto, é preciso ressaltar que essas alegações são parciais e questionáveis, pois não veiculam que setores de comércio (informática, desenvolvimento de softwares, produtos educacionais, editoras, empresas de comunicação etc.) têm muito a ganhar com a expansão de seus interesses nesse mercado. É de se lembrar que as primeiras propostas sobre o ensino à distância surgiram fundamentalmente como uma alternativa para contextos de difícil acesso (em nosso caso, região norte ou para localidades muito afastadas, no interior do país), o que não está ocorrendo, dado que a maioria das propostas está na região sudeste...
Além disso, como as primeiras iniciativas governamentais (UAB, Univesp) têm foco na formação docente é importante destacar que tal política implica a constituição de dois tipos de docentes, na medida em que as dimensões anteriormente citadas não se realizem: um formado à distância (criando um círculo vicioso) e outro presencial (cuja formação também deve ser constantemente questionada e reelaborada), ambos com títulos e direitos equivalentes, mas com posturas e concepções completamente diferentes...
Mas não é só na educação superior...
As ações governamentais e dos setores de mercado interessados no EàD não param no Ensino Superior, mas estão estendendo suas iniciativas à Educação Básica, onde podem ter consequências ainda mais graves. Recente norma do Conselho Estadual de Educação (CEE) de São Paulo dispôs ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio paulista a possibilidade de inserção do EàD (ou “educação semipresencial”, como é apresentado).
Estarrece-nos a recente Deliberação CEE Nº 77/2008, que estabeleceu orientações para organização e distribuição dos componentes dos ensinos fundamental e médio do sistema de ensino do Estado de São Paulo, em direção ao EàD. Assim, em seu Artigo 3º, prevê que, no ensino fundamental poderão ser utilizados mecanismos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) para atividades complementares de ensino, reforço e recuperação; em seu Artigo 4º, estabelece, por outro lado, que no ensino médio, quaisquer componentes curriculares poderão ser trabalhados na modalidade semipresencial. É preciso chamar atenção para o fato de que, em seu § 1º, o referido artigo considera como modalidade semipresencial quaisquer atividades didáticas, módulos ou unidades de ensino que estejam centrados na auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes de informação que utilizem tecnologias de informação e comunicação remota e que, em seu § 2º, define o limite máximo para oferta de componentes curriculares nesta modalidade como sendo de 20% do total de horas destinadas ao curso.
O despropósito de pretender implantar o EàD no Ensino Médio nos parece ainda mais sério por atingir o jovem em um estágio anterior de uma formação mais ampla. Além disso, por serem mais “baratas” do que o pagamento de professores e professoras da Educação Básica contemplam interesses governamentais para a “diminuição de custos” e aguçam o interesse privado para a comercialização de seus “produtos tecnológicos” e de “sistemas de ensino” à distância. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) deveriam ser simplesmente um recurso adicional nos processos de ensino e de aprendizagem e não deveria ser aberta a “oportunidade” de ensino “semipresencial” em um estado que não têm as dificuldades de acesso acima mencionadas. Contudo, por não sermos contra a possibilidade de nossos jovens tomarem contato com as TIC, seria mais adequado e louvável que o CEE-SP ampliasse o tempo de duração da jornada escolar, para a introdução de tais linguagens e técnicas, do que apontar para a possibilidade de redução dos componentes curriculares ou para o tratamento das disciplinas nos moldes do EàD, como ora proposto para os ensinos fundamental e médio. O acesso às TIC não pode significar precarização formativa!
Desta forma, o FEDEP-SP quer estabelecer diálogo com a sociedade e com os setores governamentais sobre essas propostas para que a voz dos educadores e da sociedade como um todo seja ouvida e considerada!

Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública (FEDEP-SP), abril de 2009
(Ação Educativa, Adunesp, Adunicamp, Adusp, AGB-SP, Ande, Apampesp, Apase, Cedes, CPP, CRP-SP, DCE-Unicamp, Fórum de EJA-SP, Fórum Permanente de Educação Inclusiva, GT Educação do Movimento Nossa São Paulo, Sinteps, Sintunesp, Umes, Upes)

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