terça-feira, 26 de maio de 2009

A proposta da Univesp: uma leitura crítica


César Augusto Minto (Professor na Faculdade de Educação da USP e 1° Vice-presidente da Adusp) e Maria Aparecida Segatto Muranaka (Professora no Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Unesp-Rio Claro)

Este artigo apresenta uma breve análise do “Ante-Projeto de Proposta de Criação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo – Univesp”, elaborado por uma equipe composta pelos professores: Carlos Vogt (coordenador), Waldomiro Loyolla, Geraldo Di Giovanni e Jocimar Archangelo
[i] e tornado público no início do segundo semestre de 2007. O documento tem 26 páginas e se estrutura da seguinte forma: Introdução (p. 1-2); Exposição de Motivos (p. 2-6), que contém os sub-itens Formação de professores (p. 3-5), Graduação Flexível (p. 5) e Considerações adicionais (p. 6); Concepção Estrutural (p. 7-8), com o sub-item O Modelo (p. 8-10); Operacionalização (p. 10-22); e Anexo 1 (p. 23-26), contendo 6 gráficos relativos ao desempenho de estudantes de Ensino Fundamental (4ª e 8ª séries) e de Ensino Médio (3ª série), em Língua Portuguesa e Matemática, comparando dados dos estados de São Paulo, Minas Gerais e do Brasil, aferidos por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

A Univesp, segundo o documento, seria “um consórcio acadêmico-tecnológico composto por universidades e instituições públicas do estado”,
[ii] que teria como objetivo oferecer “educação superior semi-presencial, pública, gratuita e de qualidade, ampliando, nos mais diferentes aspectos, a oferta de cursos de graduação, pós-graduação e de formação continuada no estado”. Conforme autoproclamado, “Em uma frase pode-se resumir este propósito por expansão com qualidade e inclusão social!”

A parte introdutória do documento enaltece o “elevado nível oferecido na área da educação a seus cidadãos” no estado de São Paulo, “o que, certamente, teve papel decisivo na evolução econômica e social de todo o estado”. Afirma que esse estado “apresenta os maiores índices de formação de pesquisadores e de produtividade em pesquisa de todo o país, como resultado do rigoroso exercício de uma exemplar política de amparo à pesquisa”, que contaria com a “indiscutível participação da FAPESP” (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Destaca, em especial, a qualidade do tripé – ensino, pesquisa e extensão – na Unesp, Unicamp e USP, cuja elevada disputa candidatos/vagas em seus vestibulares confirmaria “o alto nível oferecido na educação superior”. Mas lamenta o fato de que apenas “uma pequena parcela da comunidade estadual consegue o privilégio de desfrutar do ensino de qualidade oferecido pelas universidades públicas estaduais”.

Constatações à parte, salta aos olhos o teor do conteúdo explícito: 1) o acesso ao ensino superior público é visto como “privilégio”; 2) a concorrência no vestibular como critério de validação da qualidade do “serviço ofertado”; e 3) o auto-elogio da “boa política para poucos” como feito de pretensa e expressiva ação social. Vale dizer, segundo o documento prevalecem: o ensino superior como serviço (quando não mercadoria) e como um privilégio a ser usufruído por poucos, ao invés de ser um direito de todos; a adoção de critérios de mercado para balizar a qualidade das funções essenciais realizadas pelas universidades públicas; a exaltação de uma política elitista – seja para a educação superior pública, seja para a ciência e a tecnologia – no estado mais rico da nação, justamente aquele que pode e deve ostentar políticas sociais exemplares para todo o país.

Ainda na parte introdutória, o documento constata que o aumento de vagas nas universidades estaduais paulistas tem sido “pequeno e lento”, mas não sem antes frisar: “apesar do grande esforço desenvolvido no estado em busca do aumento do número de vagas oferecidas, quer seja pela implantação de cursos noturnos quer seja pelo aumento dos campi das universidades”. Em seguida, alega que, a exemplo de vários países desenvolvidos, “o uso acadêmico intensivo das tecnologias de informação e comunicação [TIC] pode ser a ferramenta para que o estado venha romper as barreiras físicas do oferecimento de ensino superior”. Curiosamente, em momento algum o texto menciona, por exemplo, o uso das TIC como uma ferramenta, um recurso desejável para incrementar e enriquecer os cursos presenciais.

Apesar da parca informação de acesso ao público, cabe reconhecer que o governo paulista já atribuiu o status de iniciativa oficial à Univesp. Assim, na “Mensagem n° 8”, encaminhada pelo Governador do Estado à Assembléia Legislativa em 14/2/08, encontra-se o projeto de lei que dispõe sobre o Plano Plurianual (PPA) para o período de 2008/2011, cuja Introdução contém um item sobre o Ensino Superior, onde se afirma:

As prioridades do governo paulista nos próximos quatro anos, no que diz respeito ao ensino superior, consistirão em ampliar a oferta de vagas e cursos superiores em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social do estado e do país, utilizando inclusive tecnologias e metodologias de ensino a distância, a serem concretizadas na implantação da Univesp [...] (DOE, Poder Legislativo, Suplemento, 20/2/2008, p. 4, negrito nosso).

Toda atenção será necessária, pois embora a utilização de “inclusive” pode induzir o leitor a crer que o uso das TIC seja apenas uma das alternativas para expandir o ensino superior público, não é lícito ignorar que as mesmas forças políticas que comandam o governo paulista há mais de uma década, quase um lustro, têm implantado à revelia da sociedade projetos como o “PEC-Formação Universitária” e o “Pedagogia Cidadã”
[iii], a título de pretensa graduação de nível superior para professores já efetivos na rede pública com formação de nível médio, cujas características podem ser assim resumidas: cursos experimentais, modulares, aligeirados e com boa carga didática à distância. Ao mesmo tempo, esses mesmos governantes não se preocuparam com a expansão do ensino superior presencial e de boa qualidade, o pouco que fizeram foi sem a garantia de recursos vinculados regulares. Portanto, não é descabido supor que desta vez o governo trabalha, em especial, com a idéia de que o ensino à distância é a alternativa privilegiada, senão a única, para promover a expansão do ensino superior público no Estado de São Paulo.

Vale dizer, as propostas (ações, na verdade) implantadas pelo governo se caracterizam como iniciativas do tipo “cavalo de Tróia”, cujos resultados dizem respeito mais à introdução de alternativas que interessam aos governantes e aos setores privatistas (por exemplo, as iniciativas já citadas no parágrafo anterior), como é o caso do ensino à distância que, adotado no estado de São Paulo apresenta forte efeito exemplar em termos de Brasil. Ou seja, não tem havido um planejamento estratégico para a área, sobretudo com previsão adequada de recursos financeiros (mas não só) para providenciar uma expansão do ensino superior público presencial e de boa qualidade para todos.

Ademais, cabe lembrar que às universidades estaduais paulistas tem sido destinado 9,57% do ICMS cota parte do Estado há mais de uma década, a despeito de terem realizado uma expansão, tímida sim, mas, entre outros motivos pela falta de recursos adicionais para garantir a qualidade das funções realizadas por essas instituições, a não ser eventuais recursos específicos para a construção de instalações, como é o caso da EACH (USP-Leste).
[iv]

Vejamos a seguir a parte relativa à “Exposição de Motivos”, cujos sub-itens contemplam os aspectos: “Formação de Professores”, “Graduação Flexível” e “Considerações adicionais”. O sub-item “Formação de Professores” tem início com a constatação da existência de por volta de 60 mil professores (dados de 2005) na educação básica paulista com formação apenas de nível médio, e afirma que “Por mais esforço que tenha sido feito no ano de 2006, certamente estes números continuam extremamente grandes e requerem uma atuação enérgica do estado com o propósito de melhor formar estes professores”. O documento relaciona essa formação com o baixo desempenho e a queda de rendimento dos estudantes aferidos por meio do SAEB, daí a alegação: “se faz urgente o oferecimento de condições para que venham a obter sua graduação, como passo importante para melhorar as condições de aprendizagem no estado”. Contudo, nada é dito sobre as condições estruturais de funcionamento das escolas de educação básica no estado, por exemplo, sobre bibliotecas e laboratórios funcionando a contento, ou seja desde a sua existência – de fato – até a ocorrência de manutenção e reposição de materiais, isto sem falar das aviltantes condições de trabalho, carreira e salário dos docentes.

Em seguida, o documento menciona um agravante na formação desses docentes: “é a exigência [sic] de que eles estudem sem se afastarem de suas atuais funções e de suas localidades”. Tal “condição” é motivo para afirmar-se no texto que: 1) “apenas com o uso de métodos e técnicas da chamada Educação a Distância (EAD) é que se pode conseguir atingir tão grande contingente de alunos dispersos em todo o estado e que têm os mais variados horários de trabalho”, sendo que, nestas condições, 2) “o uso da televisão educacional é o mais adequado”. Afora isso, o documento afirma que se acrescenta uma “demanda por reciclagem [sic] e aperfeiçoamento” advinda de professores já graduados, “para que possam desenvolver suas funções na atual sociedade da informação, formando cidadãos que sejam perfeitamente adequados ao século XXI”. Tal “demanda” é avaliada em cerca de 260 mil professores, “que precisariam ser atendidos para capacitação contínua e mesmo de pós-graduação lato e strito sensu”.

Ou seja, nas condições mencionadas, tanto para a graduação de professores como para a capacitação e a atualização contínuas de docentes já graduados, o ensino à distância é visto como “a” alternativa a ser adotada no estado de São Paulo, como já mencionamos. Além disso, o documento cita ainda que: “Neste contexto pode-se salientar, também, a grande necessidade de formação de gestores educacionais capacitados a dirigir as escolas de forma eficiente e moderna de modo a eficazmente formar os nossos jovens”. E, como se isso tudo não bastasse, o texto lembra igualmente que “mesmo para o grande contingente de professores já atuando em instituições de ensino superior também haveria a necessidade de oferecimento de oportunidades para que estes viessem a realizar cursos de capacitação e também de pós-graduação”, mas agora sem prever o público potencial. Vale dizer: fecha-se assim um pretenso ciclo virtuoso de graduação, capacitação e atualização virtual – como se o ensino à distância fora uma panacéia e, mais, definida por epifania!

No item “Graduação flexível” alega-se que “Outro motivo da atuação do estado na ampliação da oferta de educação superior vem da impossibilidade que muitos jovens têm de freqüentarem regularmente cursos superiores devido a restrições que até hoje não foram consideradas na oferta de vagas”. Tal impossibilidade adviria “tanto de condições geográficas quanto de condições temporais, sem esquecimento das questões sócio-econômicas”. O curioso aqui é que se recorre a essa alegação sem qualquer questionamento dos problemas constatados, mesmo após afirmar que “em várias áreas do estado não são oferecidas vagas públicas no ensino superior”. Por certo, é louvável que se atente para condições iníquas há muito contumazes e ainda insolúveis, mas cabe lembrar que a imensa maioria da população na faixa etária esperada para freqüentar esse nível de ensino vive em centros urbanos, sobretudo no estado de São Paulo; quanto às condições temporais e sócio-econômicas não é lícito ignorar que o poder público tem responsabilidade no que diz respeito à criação de alternativas para, no mínimo, amenizá-las, por exemplo adotando políticas sociais articuladas e exigindo dos empregadores, públicos ou privados, a “flexibilização” da jornada de trabalho das pessoas afetas a essas condições.

Isto é, também nesse caso a única solução apontada é o ensino à distância e não é licito imaginar que os proponentes da Univesp desconheçam que tanto a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) como a Constituição do Estado de São Paulo de 1989 (CESP/1989) preconizavam a expansão das instituições públicas de ensino superior por meio de dois mecanismos complementares: 1) em locais densamente povoados e desprovidos da “oferta” desse ensino (no estado de São Paulo, por exemplo, a Baixada Santista; na capital, em especial a Zona Leste); e 2) ampliação de vagas noturnas.
[v] Não tendo observado a contento tais determinações, o poder constituído continua impune, pois inexistem mecanismos de sanção; ademais, decorridos os prazos previstos em lei, estes simplesmente não foram renovados! Assim, o problema persiste e a solução preconizada pelos governantes passa, como já o dissemos, necessariamente pela parafernália “moderna” do ensino à distância.

Ainda no item “Graduação flexível”, é citado “Um outro contingente que se encontra alijado das possibilidades de realizar cursos superiores [...] pessoas que desenvolvem atividades profissionais que requerem deslocamento geográfico constante”. Novamente, “Para estes, a única oportunidade de cursarem uma universidade [sic] é através do oferecimento de cursos com flexibilidade geográfica e temporal, onde mais uma vez a difusão televisiva e o uso de alguns métodos especiais de interatividade se caracterizam como uma única opção”. Embora o arrazoado – no que se refere ao alijamento dessas pessoas – seja convincente, questionam-se no contexto discursivo: 1) o fato de tal alijamento não ser “natural”, pois fruto de políticas de sucessivos governos; e 2) a insinuação do ensino à distância como “única oportunidade ou opção” e, ademais, pretensamente caracterizado como “curso universitário”. Nessas condições, em se tratando de propiciar a melhor qualidade possível para a eventual formação, deveria valer também para o ensino superior os mesmos critérios estipulados para a oferta de educação básica em situações emergenciais pelo parágrafo único do artigo 30 do Decreto n° 5.622/2005:

A oferta de educação básica nos termos do caput contemplará a situação de cidadãos que: I – estejam impedidos, por algum motivo de saúde, de acompanhar ensino presencial; II – sejam portadores de necessidades especiais e requeiram serviços especializados de atendimento; III – se encontram no exterior, por qualquer motivo; IV – vivam em localidades que não contem com rede regular de atendimento escolar presencial; V – compulsoriamente sejam transferidos para regiões de difícil acesso, incluindo missões localizadas em regiões de fronteira; ou VI – estejam em situações de cárcere. (BRASIL, 2005).

Seguindo a lógica adotada pelos formuladores da proposta de criação da Univesp, cabe a conjectura de que talvez o arremate do item “Graduação flexível” não pudesse ser diferente: “visto que apenas 9% da população nacional com idade entre 25 e 60 anos conseguiu completar o ensino superior”, propõe-se como solução para que esse problema se reverta ou, pelo menos, não se amplie, o atendimento de jovens “que se encontram na faixa etária de cursar uma faculdade”, seja por inexistência de instituições que ofereçam ensino superior público regular, seja por impossibilidades de ordem geográfica, temporal ou sócio-econômica: o ensino superior virtual.

Em “Considerações adicionais”, o documento afirma que há “outras motivações para a implantação de um programa de ampliação de [...] vagas públicas através do uso de tecnologias de informação e comunicação”; agora apresentado como “uma importante resposta social [sic] da política educacional do estado”. Tal “resposta” buscaria reverter, pelo menos em parte, o quadro desigual de atendimento desse ensino no estado, na medida em que na região sudeste apenas 18,6% das matrículas ocorrem em cursos superiores públicos. Neste segmento pode-se observar o uso da estratégia camaleão: ao invés de reconhecer que no estado de São Paulo apenas cerca de 10% das matrículas ocorre no setor público (e, ainda assim, basicamente somadas as matrículas em instituições estaduais e federais), os formuladores dessa proposta mimetizam os dados paulistas com os dos demais da região sudeste – maquilagem pura?

Mas o documento vai além, via recurso à repetição: “Outra vantagem inestimável seria a contribuição para uma melhor formação dos professores atuando no estado [...], o que indiscutivelmente trará, em curto e médio prazos, enormes benefícios sociais e mesmo econômicos, permitindo que se alcance uma população com melhor formação”. Ademais, segundo o texto, poderíamos “dispor de um aproveitamento educacional de competências nas instituições públicas [cabe lembrar: trata-se de um consórcio], podendo, a partir daí, criar e oferecer novos cursos com a contribuição de especialistas que se encontram dispersos”. Por fim, alega-se que a “real possibilidade de cooperação entre as universidades e outros órgãos públicos, certamente levaria estas instituições à abertura de uma nova frente de pesquisas ao se dedicarem ao estudo dos melhores métodos e técnicas para o desenvolvimento da educação mediada por tecnologias”. Tais “argumentos” dispensam ilações adicionais, mas por certo insultam a compreensão de qualquer leitor crítico.

No item “Concepção Estrutural” afirma-se que tal concepção baseia-se em dois pilares: 1) “significativa ampliação do ensino público, buscando a maximização da abrangência do oferecimento de cursos, tanto do ponto de vista de alcance populacional como do uso de tecnologias, técnicas e métodos educacionais”; e 2) “agregação de competências e recursos técnico-acadêmicos disponíveis em instituições públicas, o que sugere o aproveitamento consorciado de recursos humanos e técnicos”. O objetivo principal dessa estrutura seria “ampliar o oferecimento da educação superior pública estadual com qualidade e inclusão social”. Para tanto, propõe-se que “o projeto de estrutura da Univesp seja lastreado na cooperação das universidades públicas do estado com a TV Cultura atuando como poderoso meio de difusão”.

Neste segmento, afora a retórica saturada de tautologia, destaca-se o uso de “pilares” que, no contexto, pode evocar sustentação provisória e talvez mal ajambrada do que se afirma – ampliação do ensino público e agregação de competências e recursos técnico-acadêmicos das instituições públicas – pois, diga-se de passagem, expressam mais apropriadamente objetivos e não “alicerces”, que deveriam constituir bases, fundações e sustentação efetiva de estrutura. Mas, o aspecto que talvez mais chame a atenção é tomar, como “pilar”, o “uso de tecnologias, técnicas e métodos educacionais”; este sim um objetivo caro aos proponentes, quiçá a essência do projeto que, como dissemos, ostenta um matiz “cavalo de Tróia”. Afora isso, o aspecto novo aqui é a previsão de lastro “na cooperação das universidades públicas do estado com a TV Cultura atuando como poderoso meio de difusão”, o que sem dúvida é positivo, cabendo apenas questionar a adequação do que se difunde, pois formação, sobretudo inicial, exige tratamento pedagógico presencial, especializado e sistemático, que não se confunde com difusão de informações.

O sub-item “O Modelo” pega-nos de chofre: “Para o atendimento da proposta, há que se criar todo um modelo e um conjunto de métodos, para o oferecimento de cursos mediados por tecnologias de informação e comunicação”, pois esse arcabouço estrutural por certo é um dos pressupostos básicos, antes de qualquer eventual operacionalização de objetivos da Univesp, contudo, insinua-se que ele inexiste. O que segue: “Há que se considerar os aspectos [...] metodológicos de Educação a Distância, o planejamento e criação de cursos em consórcio de instituições, o efetivo oferecimento destes cursos e mesmo o gerenciamento deste oferecimento” não deixa dúvidas de que, se tal “modelo” já está constituído, o mesmo não se pode dizer das condições estruturais citadas, o que causa uma certa sensação de aventura fugaz, irreverente, embora não ignoremos que, neste mesmo segmento, fale-se em “abordagem preliminar”, ao mesmo tempo em que seu “cronograma tentativo” para implantação do projeto previsse “Realização do Processo Seletivo para os 4 cursos iniciais” já em fevereiro de 2008, o que não ocorreu.

A seguir, dois aspectos são tratados: “Criação de cursos” e “Oferecimento de cursos”, onde são citadas as etapas a serem desenvolvidas seqüencialmente, de acordo com o “modelo” adotado. No primeiro deles, aparecem em síntese: “abertura de edital para oferecimento cooperativo ou isolado”; apresentação dos projetos pedagógicos para o curso, onde devem constar o detalhamento metodológico, a linha de ação para os programas de TV vinculados a cada aula, os mecanismos e a logística de atendimento dos estudantes nas aulas de laboratório (se houverem) e as avaliações; escolha dentre as propostas por um conselho acadêmico-científico (áreas acadêmicas, técnicas e gerenciais); materiais instrucionais e programas-aula; e capacitação de tutores do curso.

Em “Oferecimento de cursos”: todos os tutores devem ser capacitados previamente, sendo cobrado dos concluintes que receberam auxílio o compromisso de atuar como tutores nos cursos futuros; cada programa-aula seria transmitido pela TV Cultura (datas e horários conforme cronograma), cada disciplina teria um programa semanal de 30 minutos (com características e horários estabelecidos para o curso), podendo ser repetidos em horários alternativos (resguardada a seqüência); caso aproveitem vários canais de baixa definição da televisão digital, os cursos podem ser ampliados; “poderá haver interação entre alunos e professor quando de transmissões ao vivo de aulas” [sic]; após cada programa, os estudantes têm atividades de estudo e interação a serem desenvolvidas semanalmente; e aulas periódicas de laboratório a serem realizadas nos pólos participantes de cada curso; as avaliações seriam contínuas, sendo as finais realizadas presencialmente nos pólos, de acordo com os cronogramas das disciplinas.

Por fim, o item “Operacionalização” contempla os seguintes aspectos: 1) Determinação do público-alvo, 2) Determinação do modelo operacional, 3) Potencialização e ampliação do modelo operacional, 4) Criação da infra-estrutura sócio-política e arquitetura institucional, 5) Ações iniciais de implantação do projeto, e 6) Cronograma.

Em “Determinação do público-alvo”, o documento afirma: “espera-se que inicialmente se atenda uma necessidade premente que é a formação, capacitação e aperfeiçoamento de professores do ensino infantil [sic], fundamental e médio, educação de jovens e adultos, e educação especial”. E sugere contemplar, também de início, as seguintes áreas: “Formação Pedagógica; Linguagens (Língua Portuguesa, Matemática, Língua Inglesa, Informática); Ciências (Física, Química, Biologia); Cultura Humanística (História, Geografia, Literatura)”, com privilégio dos “cursos de Formação Pedagógica [e] Letras-Língua Portuguesa, Letras-Língua Inglesa e Matemática”. Duas preocupações: 1) trata-se de pretensa formação inicial em nível superior, que deve ser necessariamente presencial (FÉTIZON e MINTO, 2007); e 2) no caso do estado de São Paulo, parece-nos que a premência maior seria a formação presencial na área de Ciências (Física, Química e Biologia). Consideramos ambas muito pertinentes.

Neste mesmo segmento, considera-se que “Ainda na primeira fase de implantação do projeto, deveriam ser oferecidos alguns cursos de pós-graduação lato sensu e MBAs, como forma de atender à demanda específica, mas não exclusiva, de professores já portadores de cursos superiores e interessados em evolução profissional”, sugerindo: “MBA em Gestão de Instituições Públicas de Ensino, Especialização em Docência no Ensino Superior (para não licenciados), Especialização em Educação de Pessoas com necessidades especiais”. Num segundo momento, sugere-se a ampliação de “cursos superiores e pós-graduação em variadas áreas, [...] também para a formação de profissionais de uma maneira geral”. Ademais, o texto apresenta também uma meta de atendimento: “alcançar, em um período de 3 anos, um público-alvo de aproximadamente 60 mil professores, melhor capacitando os responsáveis pela educação da atuais e próximas gerações de crianças paulistas”. Ou seja, conforme percorremos o documento fica cada vez mais claro o objetivo central da Univesp – implantar cursos de pretensa formação, em todos os níveis, via o recurso às TIC, o que é inadequado do ponto de vista de política pública, sobretudo num estado com estrutura razoável de cursos presenciais de qualidade, que precisam sim ser expandidos por meio das três universidades estaduais, com estrutura e financiamento adequados.

No sub-item “Determinação do modelo operacional”, alega-se que tal modelo “busca dar uma visão geral das bases para as estratégias de aprendizagem a serem adotadas”, sem perder a oportunidade de frisar que na “educação semi-presencial [sic] sempre se busca mais que o simples aprender e sim alcançar-se o apreender, levando o aluno à apropriação tanto do conteúdo como do processo”. Subjaz neste trecho uma defesa incondicional do ensino à distância, aqui travestido de “semi-presencial”, evocando uma contraposição ao ensino presencial, o que não faz sentido, mas como já citado anteriormente, é curioso que alternativa tão virtuosa não seja prevista para complementar o ensino presencial – seria mero esquecimento? Em seguida o texto descreve as relações “aluno-conteúdo, aluno-professor/tutor e aluno-alunos”, salientando que é necessário prover-se também “uma relação do tipo aluno-administração onde serão trabalhadas as questões administrativas e de secretaria do curso”.

Em “Relação aluno-conteúdos”, alega-se que o modelo “é composto por duas vertentes que se completam”: 1) “programas-aula transmitidos pela televisão [TV Cultura]”; e 2) “acesso a conteúdos [...] disponibilizados através de diferentes meios de comunicação, desde o uso do correio até a internet”. Os programas-aula apresentariam “os principais conceitos, processos e aspectos motivadores do conteúdo em questão”, por meio da técnica televisiva mais adequada ao tema [exemplo: documentário], “sempre buscando transmitir a emoção do aprender e do saber” e, alternativamente, “promovendo uma interação síncrona” [exemplos: videoconferência ou web-conferência]. Já na segunda vertente tal relação dar-se-ia “através da interação com material instrucional [...] elaborado de forma a não privilegiar uma mídia ou meio de comunicação”. Além disso, poderiam “ser preparados materiais textuais ou pictóricos, e mesmo lúdicos, desde que concebidos adequadamente para as condições sócio-econômicas e culturais do público-alvo a que se destina”. Como se vê, segundo tal modelo relacional não há previsão alguma de contato direto estudante-objeto de conhecimento, a não ser talvez pela representação eventualmente filtrada por suas “condições sócio-econômicas” e, ainda assim, sob critérios arbitrados por quem concebe tais materiais.

Em “Relação aluno-professor/tutor”, alega-se que essa relação “pode acontecer de diferentes formas” [sic], explicitando de antemão uma divisão binária: o professor se responsabiliza pela disciplina, mas é o tutor que acompanha a aprendizagem. Aqui, o despautério tem continuidade com: “A primeira destas formas acontece quando da visualização do professor na televisão. [!] Isto já promove uma certa relação pessoal, do mesmo tipo da que acontece entre o espectador e um ator”. Mas, não pára por aí: “Embora esta interação seja de ‘mão única’ é nela que se busca a motivação do alunado pela aprendizagem”. Ora, aprendemos e ensinamos nos cursos presenciais de formação inicial sobre a importância de considerar, nos processos de ensino e de aprendizagem, o lastro cognitivo que os estudantes carregam consigo e a contextualização do objeto dado a conhecer etc. na interação estudante-objeto-professor, mas isso tudo parece ser remetido para as calendas gregas quando somos submetidos a tão desrespeitosas alegações.

Mas, na seqüência, o documento parece tentar redimir-se do “equívoco” anterior ao asseverar: “para que a aprendizagem seja continuamente orientada e incentivada, há que se criar uma estreita relação acadêmica entre alunos e professor”, menos mal... contudo, “É nesta função que atua o professor-tutor, acompanhando e orientando todo o processo de aprendizagem”, sendo que “O conjunto de tutores deverá estar continuamente disponível para atendimento dos alunos de maneira presencial [nos pólos] ou mesmo usando diferentes meios de comunicação [atendimento telefônico tipo 0800 ou pela internet]”. Cabe alertar para dois aspectos preocupantes: 1) essa “estreita relação acadêmica”, se houver, será com o tutor e não com o professor; e 2) o peso colocado no “ou” da última frase em destaque, embora afirme-se, com menor ênfase, que “O atendimento presencial nos pólos deve ser possível em horários pré-estabelecidos para épocas normais [?], e continuamente nos encontros presenciais nos pólos”. Seja como for, consideramos que o texto fala por si.

Sobre a “Relação aluno-alunos”, o documento menciona que a interação entre os estudantes “deve se realizar de variadas formas [sic], desde o encontro presencial para estudo por parte de alunos de uma mesma cidade, até aquela desenvolvida em grupos ou comunidades de estudo baseadas na internet”. Dos sub-itens todos, este é o que ocupou menos a preocupação dos elaboradores da proposta da Univesp, não apenas pela concisão textual, mas também pelo teor técnico de sua prescrição: “O sistema gerenciador de aprendizagem a ser utilizado no projeto deve prover tecnologicamente os ambientes virtuais de discussão, disponíveis de forma tanto síncrona como assíncrona”. Convenhamos, não parece haver sequer o desejo de promover uma interação humana mais solidária, que pudesse motivar relações de vínculo entre os estudantes, por meio de suas atividades cognitivas e sociais, ao contrário, emana das entrelinhas pressupostos por demais individualizantes.

Acerca da “Relação aluno-administração”, o documento prima pelo óbvio: “há a necessidade da preparação de detalhadas orientações de procedimentos administrativos para os alunos [supõe-se, pelos cursos]”, assim bem como “da criação de infra-estrutura adequada de atendimento aos alunos, o estabelecimento dos corretos e detalhados procedimentos e direcionamentos a serem adotados a partir das solicitações eletrônicas, ou pessoais, dos alunos [pelo lado administrativo]”. Para tanto, deve haver “uma contínua atualização dos funcionários a respeito dos procedimentos de atendimento das solicitações dos alunos”. Afora tais obviedades, o texto afirma que é “esperada grande dispersão geográfica dos alunos”, por isso prevê o provimento de “formas flexíveis para que haja a interação entre o aluno e as instâncias administrativas do curso e da universidade”, dentre elas, “a melhor forma de interação será a internet”, seja pelo acesso direto a “sistemas acadêmico-administrativos especialmente projetados” [?], seja “por meio de carta, telefone ou mesmo através da entrega pessoal da solicitação nos pólos”.

No sub-item “Potencialização e ampliação do modelo operacional” alega-se que decisões estratégicas tomadas desde o início ou com o andamento da implantação da Univesp criam possibilidades de potenciar os recursos e ampliar o projeto. O texto cita então algumas alternativas não excludentes: “criação de videotecas distribuídas; criação de site para visualização de aulas pela web; e canal digital para TV-Educação”. Sobre a primeira, argumenta-se que os programas-aula poderiam ser reproduzidos em DVD e disponibilizados nos pólos, mas adverte-se: “esta alternativa requer do aluno o deslocamento até o pólo, o que em alguns casos pode ser restritivo”. Sobre a segunda, afirma-se que o site, restrito aos alunos, “permitiria o acesso aos programas-aula através da internet a qualquer momento e de qualquer lugar, o que ofereceria grande flexibilidade”. Sobre a terceira, avalia-se o “uso de um canal de baixa definição de televisão digital” teria “grande impacto na amplitude a ser alcançada pelo projeto”.

A julgar pelo crédito depositado pelos proponentes da Univesp nessas alternativas de “potencialização e ampliação do modelo operacional”, fica a sensação positiva de que tais decisões estratégicas poderiam operar uma real democratização de recursos educativos por excelência, mas uma dúvida insiste em permanecer, corroendo os nossos neurônios: por que tal elenco (ou mesmo parte dele) continua não disponibilizado, por exemplo, para seres humanos que “estejam impedidos, por algum motivo de saúde, de acompanhar ensino presencial; sejam portadores de necessidades especiais e requeiram serviços especializados de atendimento; se encontram no exterior, por qualquer motivo; vivam em localidades que não contem com rede regular de atendimento escolar presencial; compulsoriamente sejam transferidos para regiões de difícil acesso, incluindo missões localizadas em regiões de fronteira; ou estejam em situações de cárcere [?]” (Decreto n° 5.622/2005, artigo 30, parágrafo único). Isto nos incita a propor a discussão pública e democrática dessas questões.

O sub-item “Criação da infra-estrutura sócio-política e arquitetura institucional” ocupa-se de explicitar que “Para a efetiva implantação deste projeto, há que se prover antecipadamente uma infra-estrutura que envolve aspectos políticos, sociais e acadêmicos”. Afirma-se que “é uma exigência crucial do projeto” o estabelecimento de pólos, pois “é neles que serão unicamente realizadas as avaliações finais de cada disciplina e onde os alunos poderão receber apoio pedagógico e administrativo, além de usarem instalações físicas de laboratórios e bibliotecas”. Fantástico! Digamos que a ordem de prioridades do projeto Univesp foi apenas invertida, na medida em que seria pressuposto de um projeto de fato educacional: acesso a bibliotecas e laboratórios (o que implica: existência, manutenção adequada, disponibilidade real); apoio pedagógico e administrativo (essenciais); e avaliação (que deve se realizar em processo, portanto não apenas “finais”).

Prevê-se que “Os pólos deverão ser estabelecidos em todos os possíveis locais disponibilizados por instituições públicas estaduais e municipais”, sendo que os pólos principais ou de primeira grandeza estariam localizados em todos os campi das três universidades públicas paulistas, o que alcançaria “30 cidades com significativa dispersão geográfica pelo estado”. Para tanto, convênios seriam realizados com as universidades, a Secretaria de Estado da Educação (SEE), e as prefeituras de municípios. Os estudantes encontrariam nos pólos principais: apoio pedagógico, que contaria com tutoria presencial, disponibilidade para uso de internet e recepção e reprodução de programas-aula já transmitidos pela TV Cultura, eventuais aulas de laboratório e utilização de bibliotecas; apoio administrativo, que corresponderia basicamente ao atendimento de secretaria de curso; e apoio de serviços, que proveria restaurante, cópias, enfim, os mesmos serviços disponibilizados aos estudantes presenciais dos campi. Por meio de convênio com a SEE, em tese, as escolas públicas estaduais (cerca de 5500 em 645 municípios) poderiam abrigar pólos para cursos de modo a atingir ampla abrangência geográfica. O convênio com prefeituras viabilizaria a implantação de pólos no âmbito de seus municípios na eventual ausência destes em escolas públicas estaduais.

Em “Ações iniciais de implantação do projeto”, o documento considera que, “pela grande dimensão deste projeto, é importante que sua implantação seja feita de forma gradual, como requerido pelo padrão de qualidade das instituições públicas estaduais”. Assim, afirma-se que a fase inicial de implantação deve corresponder à “criação da infra-estrutura física, humana e de sistemas para que a operação de oferecimento dos cursos possa se dar com qualidade desde o início”. Em seguida, o texto apresenta um elenco dos principais aspectos a serem trabalhados, acompanhados da previsão temporal “tentativa”: “Estabelecimento da parceria com a TV Cultura (ago. e set./07); Estabelecimento de convênios com as Universidades, Secretaria de Estado da Educação e Prefeituras (ago. e set./07); Criação de infra-estrutura e equipe de suporte pedagógico e suporte tecnológico para o desenvolvimento de cursos (ago. a out./07); Implantação de Sistema Gerenciador de Aprendizagem (out. e nov./07); Desenvolvimento do Programa de Capacitação de Tutores (out. a dez./07); Realização de processo seletivo de Tutores (dez./07); Realização do Programa de Capacitação de Tutores (dez./07 e jan./08); Capacitação de funcionários administrativos das universidades (jan. e fev./08); Realização do Processo Seletivo para os 4 cursos iniciais (fev./08); Início do oferecimento dos cursos iniciais (após fev./08)”.

À guisa de conclusão, após ter analisado passo a passo o ante-projeto de criação da Univesp, ficam algumas preocupações, cuja discussão é urgente, pois não faz sentido implantar projeto dessa envergadura sem antes respondê-las, sob pena de ao invés de solucionar entraves, acrescentar outros... Fica muito evidente que, de acordo com a ótica dos responsáveis pelo documento em questão (referimo-nos aos representantes do poder público que o encomendaram e não apenas às pessoas que o assinam, claro), o ensino à distância precisa ser implantado no Estado para prover pretensa formação inicial nos níveis de graduação e de pós-graduação e no mais curto tempo, cabendo relembrar que em momento algum menciona-se o potencial desse ensino se utilizado de forma enriquecedora e complementar ao ensino regular presencial, o que resta incompreensível.

Assim, é oportuno enumerar alguns aspectos que julgamos preocupantes e exigem discussão ampla e democrática: 1) a indistinção entre ensino à distância e mera utilização de técnicas de informação e comunicação nas atividades didáticas; 2) a confusão entre conhecimento e acúmulo de informações (ADUSP, 2005); 3) a imisção entre formação e treinamento (MINTO e SILVA, 2001; MINTO e MURANAKA, 2001); 4) a ausência de acervo bem fundamentado sobre metodologias e técnicas de ensino à distância para efetiva formação crítica e autônoma, se é que isto é possível; 5) a adoção do ensino à distância – como política pública – de modo tão indiscriminado; e 6) a dicotomia entre ensino e pesquisa, em especial na educação superior. A discussão dessas questões, entre outras, deve anteceder qualquer tentativa de implantar o ensino à distância, sobretudo como política pública e para pretensa formação educacional.

Ademais, cabe lembrar que documentos anteriores (da mesma procedência) a este aqui analisado
[vi] estimaram “custos totais de R$ 158,5 milhões nos primeiros seis anos de implantação do projeto. Ao final desse período, calcula que o número de alunos formados em cursos de graduação e especialização chegue a 52 mil (já descontado um índice de evasão de 10%), havendo outros 27 mil em atividade nos cursos. Assim, ‘o custo total de cada aluno formado é próximo de 3.000 reais’”. (ADUSP, 2007). O curioso aqui é o “argumento” não explícito em todo o texto analisado – o do “custo-benefício” ou, dito de outra forma, o do barateamento dos custos – que, por tudo o já aqui abordado, revela uma precaução oficial, cuja omissão por certo será objeto de avaliação cuidadosa do leitor.

Enfim, fica-nos uma forte sensação de que a adoção do ensino à distância – tal como está proposta – pode constituir-se numa aventura irresponsável, com grande chance de resultar em formação de qualidade diferenciada (em si, altamente questionável) para determinados setores sociais, que constituem a maioria da sociedade paulista (e não só para os setores já tradicionalmente excluídos), em contraposição à desejável e necessária formação presencial em nível de graduação e de pós-graduação, promovida por meio das três universidades estaduais. Se isto acontecer, no limite, o ensino presencial que conhecemos hoje estaria condenado a ser enterrado em caixão de tapiá,
[vii] justamente para que dele não sobrasse vestígios no mais curto tempo. Exceto, é claro, sua manutenção restrita a “centros de excelência” encarregados de prover os quadros que comporiam a elite dirigente – intelectual e econômica – do estado e do país. É isso que as sociedades paulista e brasileira almejam?




Referências
ADUSP (Diretoria da). Educação a Distância: a pá de cal na Formação? In: Conselho do ANDES-Sindicato Nacional (CONAD), 50, Fortaleza/CE, 15-17 jul. 2005. Caderno de Textos. Fortaleza/CE: ANDES-SN, 2005, Texto n° 17.
ADUSP (Diretoria da). A Universidade Virtual segundo Vogt. Informativo Adusp n° 246, de 22 de outubro de 2007. São Paulo, SP, 2007.
BRASIL. Constituição (05 de outubro de 1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
______. Decreto n° 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80, da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo, 11ª ed., São Paulo, SP: Atlas, 1999. p. 288-290.
ESTADO DE SÃO PAULO. Constituição (05 de outubro de 1989). Constituição do Estado de São Paulo. São Paulo, SP: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 1989.
ESTADO DE SÃO PAULO. Projeto de Lei n° 40, de 14 de fevereiro de 2008. Plano Plurianual para o período de 2008-2011 (Mensagem n° 8 do Senhor Governador do Estado). Diário Oficial do Estado, São Paulo, SP, 20 fev. 2008. Poder Legislativo, Suplemento.
FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura e MINTO, César Augusto. Ensino a distância: equívocos, legislação e defesa da formação presencial. Universidade e Sociedade, Brasília/DF, Ano XVI, n. 39, p.93-105, fev. 2007.
MINTO, César Augusto e SILVA, Maria Abádia da. Treinamento travestido de formação de nível superior. Universidade e Sociedade, Brasília/DF, Ano XI, n. 24, p.137-140, jun. 2001.
MINTO, César Augusto e MURANAKA, Maria Aparecida Segatto. Políticas públicas para a formação de profissionais em educação no Brasil. Universidade e Sociedade, Brasília/DF, Ano XI, n. 25, p. 134-143, dez. 2001.
VOGT, Carlos (Coord.); LOYOLLA, Waldomiro; DI GIOVANNI, Geraldo; ARCHANGELO, Jocimar. Detalhamento Operacional e Orçamentário Preliminar da Proposta de Implantação do Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP, 18p. (folheto vazado em agosto, mas com data de 9/11/2007).
VOGT, Carlos (Coord.); LOYOLLA, Waldomiro; DI GIOVANNI, Geraldo; ARCHANGELO, Jocimar. Detalhamento Operacional e Orçamentário Preliminar da Proposta de Implantação do Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP, Resumo Executivo, 8p. (folheto vazado em agosto, mas com data de 9/11/2007).
VOGT, Carlos (Coord.); LOYOLLA, Waldomiro; DI GIOVANNI, Geraldo; ARCHANGELO, Jocimar. Ante-Projeto de Proposta de Criação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP, 26p., sem data.

[i] Carlos Vogt é hoje (março de 2008) Secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo, os demais professores atuaram em universidades na cidade de Campinas (Unicamp ou PUC-Campinas), tendo alguns deles trabalhado na administração pública no governo de Fernando Henrique Cardoso.
[ii] É curioso o recurso ao “consórcio”, cuja compreensão trivial é: “Reunião ou associação de empresas, esp. para execução de um projeto de grande porte” (cf. AURÉLIO, 1999, p. 535), pois ele evoca a intenção de realizar um empreendimento empresarial mesmo, o que não se coadunaria com a concepção de política pública. Contudo, não desconhecemos que, do ponto de vista jurídico, “é o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas jurídicas públicas de mesma natureza e mesmo nível de governo ou entre entidades da administração indireta para a consecução de objetivos comuns”. (cf. DI PIETRO, 1999. p. 288). O consórcio não adquire personalidade jurídica, sendo portanto apenas uma “articulação”.
[iii] Ambos formam implantados no estado de São Paulo a partir de 2001: o “PEC-Formação Universitária”, por meio de um convênio entre a Secretaria de Estado da Educação (SEE-SP), a USP, a Unesp e a PUC-SP; o “Pedagogia Cidadã” por convênio entre a SEE-SP e a Unesp.
[iv] A depender do governo do Estado essa situação não vai mudar, exemplo do que se afirma é a previsão de recursos para as três universidades estaduais paulistas no PPA 2008-2011: R$ 25 bilhões. Ao que tudo indica, tal previsão mantém a destinação atual de recursos (9,57% do ICMS) que, quando muito, apenas prevê cobrir os índices de inflação e de crescimento da economia previstos para o período, embora mencione a expansão do ensino superior público como meta.
[v] CF/1988: Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, “as universidades públicas descentralizarão suas atividades, de modo a estender suas unidades de ensino superior às cidades de maior densidade populacional”. (Parágrafo único do Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT) e CESP/1989: “As universidades públicas estaduais deverão manter cursos noturnos que, no conjunto de suas unidades, correspondam a um terço pelo menos do total das vagas por elas oferecidas”. (Parágrafo único do Art. 253); e “[...] o Poder Público Estadual implantará ensino superior público e gratuito nas regiões de maior densidade populacional, no prazo de até três anos, estendendo as unidades das universidades públicas estaduais e diversificando os cursos de acordo com as necessidades sócio-econômicas dessas regiões. Parágrafo único – A expansão do ensino superior público a que se refere o caput poderá ser viabilizada na criação de universidades estaduais, garantindo o padrão de qualidade”. (Art. 52 do ADCT); e “O disposto no parágrafo único do art. 253 deverá ser implantado no prazo de dois anos”. (Art. 53 do ADCT).
[vi] “Detalhamento Operacional e Orçamentário Preliminar da Proposta de Implantação do Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP”, 18p. ; e “Detalhamento Operacional e Orçamentário Preliminar da Proposta de Implantação do Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP, Resumo Executivo”, 8p. (ambos vazados em agosto, mas com data de 9/11/2007).
[vii] Cabem aqui duas observações: 1) a preocupação não é descabida, pois a Sociedade Brasileira de Educação Matemática já denunciou em vários eventos (internos e na reunião anual da ANPEd de 2007) a perda de licenciandos em Matemática de cursos presenciais para cursos à distância e é muito provável que o mesmo esteja acontecendo em outras áreas; e 2) tapiá: madeira leve e de rápida decomposição, por este motivo muito utilizada para a confecção de caixões de defunto.

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